Edval Nunes da Silva, estudante comunista conhecido como Cajá, tinha 27 anos no sábado 12 de maio de 1978 quando foi sequestrado pelo DOI-CODI e Polícia Federal ao deixar a Cúria Metropolitana, na Conde da Boa Vista. Na época, ele integrava a Comissão de Justiça e Paz, que defendia famílias que lutavam por moradia e terra e presos políticos e comuns. Foi levado para a prisão (na sede da PF do Cais do Apolo), onde foi barbaramente torturado e mantido em solitária por 12 meses.
Neste sábado, 12, amigos e companheiros de luta se reúnem em Aldeia para lembrar a data e prestar uma homenagem a Cajá.
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De acordo com Anacleto Julião, do Comitê da Verdade, Memória e Justiça de Pernambuco, a data marca um momento importante da vida política brasileira, pois a prisão de Cajá teve repercussão internacional e mobilizou milhares de estudantes, num período da ditadura militar em que, embora já se falasse em abertura e anistia dos presos políticos, ainda havia muita repressão. Cajá é considerado o último preso político do período militar a ser libertado.
O Comitê da Verdade, Memória e Justiça de Pernambuco é formado por organizações não governamentais e militantes políticos. Segundo Anacleto, o comitê deu uma grande ajuda à Comissão da Verdade Dom Hélder Câmara, apresentando levantamentos de casos de torturados e desaparecidos no período militar não só nas cidades, mas principalmente no campo.
“Com muito menos visibilidade, mortes e desaparecimentos no campo foram muito frequentes, e executados não diretamente pelas forças militares, mas muitas vezes pelos capangas dos donos de engenhos, que aproveitaram a ditadura para exercer o terror no campo, especialmente contra os membros das Ligas Camponesas”, lembra Anacleto.
Na reunião deste sábado, na casa de Anacleto, os amigos vão lembrar os anos de chumbo e planejar os rumos do comitê. Diz o anfitrião: “Continuamos lutando para manter viva a memória do que foram os anos da ditadura e do que sofremos por defendermos a igualdade entre as pessoas, e também por justiça. Lamentavelmente no Brasil não avançamos nesta área, como a Argentina, por exemplo, onde até ex-presidentes foram levados aos tribunais. Mas essa luta não vai parar, é para a vida toda”.
Atuando na clandestinidade política, Cajá era estudante de Ciências Sociais e membro da Comissão de Justiça e Paz e da Pastoral da Juventude da Arquidiocese de Olinda e Recife, muito ligado a Dom Hélder. Sua prisão teve como motivação, segundo os órgãos da repressão e de acordo com os veículos de imprensa na época, “por haver provas documentais de sua participação na reestruturação de atividades do Partido Comunista Revolucionário (PCR)”.
O empenho de Dom Helder em sua defesa, segundo o próprio Cajá, foi determinante para que cessassem as sessões de tortura e para sua libertação, um ano depois da prisão. A repercussão do caso tomou um vulto tão grande que 12 mil alunos da UFPE entraram em greve, Elis Regina pediu pela sua soltura em um show no Recife, e até o Papa Paulo VI escreveu um telegrama pedindo a libertação do estudante.
Aos 67 anos, o sociólogo Cajá continua na militância política no mesmo partido que o levou à cadeia, o PCR. Presidente do Centro Cultural Manoel Lisboa e coordenador do Comitê da Verdade, Memória e Justiça de Pernambuco, ele diz que o episódio do seu sequestro, tortura e isolamento no cárcere fortaleceu ainda mais suas convicções socialistas.
“O objetivo era frear a resistência, mas terminou renovando o movimento e tornando-o bem mais forte”, diz Cajá. Em relação ao Brasil de hoje, ele é dos mais otimistas: “Tenho uma esperança muito grande. Pode não parecer, mas as coisas estão mudando”.
Segundo Cajá, “as pessoas estão abrindo os olhos e vendo que não há outro caminho que não o de uma sociedade socialista em que não haja opressor nem oprimido. Está mais do que provado, com a descrença que existe em torno das instituições que estão no poder, que o sistema capitalista não resolve os problemas das sociedades humanas”.
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