Quem participou ontem (17/3) do seminário em homenagem aos 13 anos da Área de Proteção Ambiental (APA) Aldeia-Beberibe saiu do anfiteatro da UFRPE com muitas informações e um sentimento de urgência. No evento foram apresentados seis trabalhos de mestrado e doutorado sobre a APA de Aldeia e, no final do dia, foram analisadas as principais ameaças e os potenciais impactos que empreendimentos de grande vulto podem provocar à sua sustentabilidade. A conclusão unânime dos cientistas, entidades de proteção ambiental e sociedade civil presentes ao seminário foi: evitar o desmatamento a todo custo já não é suficiente; é preciso ir além, é preciso recuperar o que se perdeu.
“Hoje só existem 15% do que foi o bioma Mata Atlântica no Brasil”, diz a professora Ana Carolina Lins e Silva, uma das responsáveis pela organização do evento. “E aqui na APA Aldeia-Beberibe estão 20% de tudo o que resta; temos o maior fragmento de floresta atlântica acima do Rio São Francisco e muita gente que mora aqui não sabe disso nem tem noção da importância deste lugar”. Junto com outros especialistas, Ana Carolina é autora do documento Empreendimentos previstos para a APA Aldeia-Beberibe: impactos e alternativas, lançado no evento de ontem.
No documento, que será entregue a autoridades locais e nacionais, foram analisados os projetos do Arco Viário Metropolitano e a Escola de Sargentos de Armas do Exército (ESA), previstos para serem implantados dentro da Área de Proteção Ambiental. Se mantidos como estão hoje, os dois empreendimentos provocarão a destruição de mais de 250 hectares de floresta madura e grande impacto sobre a Bacia de Botafogo, que abastece 80% da Região Metropolitana do Recife. O projeto da ESA prevê, além da escola em si, a construção de uma vila militar, um parque de tiros e uma vila olímpica.
As alternativas propostas pelos pesquisadores mantêm o traçado do arco já sugerido pela empresa vencedora da licitação do projeto e o complexo da ESA dentro da área pertencente ao Exército. As alternativas reduzem a área desmatada para um terço do previsto atualmente.
“Nossa luta para que o Arco Viário passe por fora da APA vem desde 2012 e hoje vemos que o traçado proposto pelo governo tem um propósito, que é servir à Escola do Exército. Existem alternativas totalmente viáveis, que inclusive vão ajudar a desenvolver municípios da região a Oeste do Recife. Uma delas é a utilização, para a Escola do Exército, de uma área de 300 hectares desmatados ou de capoeira que existe dentro próprio CIMNC. A outra é a Cidade da Copa, que já está sendo doada pelo governo do Estado como contrapartida ao empreendimento”, explica o presidente do Fórum Socioambiental de Aldeia, Herbert Tejo.
O Fórum, que vem acompanhando de perto todas as ameaças à APA Aldeia-Beberibe, compõe o Conselho Gestor da APA. Segundo Herbert, em nenhum momento o Conselho Gestor foi convidado a participar do projeto da ESA. “A sociedade civil está sendo totalmente alijada do processo, precisamos ser ouvidos!”, diz. “Esta semana, por exemplo, houve uma reunião do Exército com parlamentares pernambucanos e ficamos perplexos ao saber, por uma fonte nossa, que foi informada uma modificação no projeto que aumenta a área desmatada de 149 para 189 hectares!”.
Enquanto o governo elabora projetos de desenvolvimento nada sustentáveis, milhões de animais e plantas ainda vivem nas florestas da APA Aldeia-Beberibe. Só de anfíbios (sapos, rãs e pererecas), os pesquisadores identificaram 56 espécies diferentes na APA, muitas delas endêmicos, ou seja, que só existem aqui. Também vivem nessas florestas 50 espécies de répteis (jacarés, lagartos e cágados), 220 tipos de aves, 48 de mamíferos e 642 espécies de plantas.
“Temos um laboratório a céu aberto. Cada um desses seres que vivem nas matas de Aldeia tem sua importância para o ecossistema. E se um deles desaparece – muitos estão em extinção –, há um desequilíbrio”, ensina a professora Edinilza Maranhão dos Santos, do Departamento de Herpetologia da UFRPE. “Precisamos pensar que podemos muito bem viver sem o Arco Metropolitano, mas podemos viver sem ar e sem água?”.
Em relação ao desequilíbrio ambiental que o desmatamento causa, a gestora da APA, Cinthia Lima, lembra que já está havendo uma reação importante da natureza à ocupação desenfreada do solo que ocorre com a proliferação de condomínios, por exemplo. “O caso das surucucus pico-de-jaca é um sinal de alerta. Essas serpentes, que são as maiores e mais peçonhentas das Américas, têm hábitos acanhados, ou seja, não costumam sair da mata, mas de uns meses para cá têm aparecido muito nos quintais e terraços de Aldeia”, conta. “É possível que um dia essa situação se assemelhe à da aparição dos tubarões em nossa costa. Deixe de ser um problema ambiental e se torne também uma questão de saúde pública”.
A construção de condomínios cada vez maiores, com lotes cada vez menores, foi uma provocação feita por moradores de Aldeia presentes ao evento. Segundo o corretor de imóveis Milton Tenório, “já estão sendo construídos condomínios com lotes de 300 e poucos metros quadrados. Aldeia não suporta isso. Não existe fiscalização, planejamento, nada. Simplesmente não existe a presença do Estado em Aldeia”.
“A gente sabe os efeitos que o adensamento populacional vem causando na qualidade de vida e no meio ambiente locais, mas nada é feito, as prefeituras não fazem nada, nem o Estado. Termina que a construção do arco e da escola aparecem como uma cortina de fumaça e ninguém fala do problema dos condomínios, que é a vida real, hoje, em Aldeia”, completa o urbanista Djair Falcão. A previsão de um estádio de futebol com capacidade para dez mil torcedores também foi lembrada pela plateia.
Questionada, Silvana Rocha, conselheira da APA e servidora da Agência Condepe-Fidem, respondeu que “é preciso mobilização popular para mudar isso e estabelecer proteção ao uso e ocupação do solo na APA. Os Planos Diretores dos municípios estão sendo revisados e é importante que a sociedade civil participe dessa revisão e proponha regras mais rígidas a esse respeito”.
O que ficou bem claro ao final do seminário foi que a velha dicotomia entre preservação e desenvolvimento precisa ser superada “pra ontem”. Nos dias de hoje, quando o planeta já vive catástrofes de enormes proporções devido às mudanças climáticas, buscar soluções que reduzam os impactos ambientais é uma obrigação. A APA Aldeia-Beberibe precisa de cada árvore, cada animal que vive ali, cada nascente de rio. Como bem lembrou a gestora da APA, Cinthia Lima, “tudo está interligado: sem fauna não há floresta, sem floresta não há água e sem água não podemos viver”.
Outros estudos apresentados no seminário foram:
Mudanças recentes na paisagem da APA (Jéssica Stéfane Alves Cunha); Impacto das atividades antrópicas sobre a mastofauna (Bruna Martins Bezerra); Registro de Fauna Silvestre nas áreas urbanas na APA (Edinilza Maranhão dos Santos); Armazenamento de carbono e oferta de água em fragmentos na APA (Bárbara Brandão Nascimento); A APA como refúgio para as grandes árvores (Jhonathan Gomes dos Santos); e As florestas na APA como garantia da qualidade da água (Nathan Castro Fonseca).
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