Bem pertinho da APA Aldeia-Beberibe, na Mata da Zambana, em Igarassu, uma equipe de pesquisadores localizou, em março passado, quatro indivíduos de uma árvore conhecida como azevinho pernambucano (Ilex sapiiformis), documentada pela primeira vez em 1838 pelo naturalista britânico George Gardner em expedição na Mata Atlântica.
Quem conta a história é a agrônoma e botânica pernambucana Juliana Alencar, convidada a compor a equipe de pesquisadores que encontrou o azevinho este ano. “A iniciativa foi da organização internacional Re:wild, de conservação ambiental, que em 2017 criou um programa especialmente para encontrar espécies consideradas extintas ou em séria ameaça de extinção. Entre essas estava o azevinho pernambucano”, diz a estudiosa. “O pesquisador Gustavo Martinelli, do Jardim Botânico do Rio de Janeiro, submeteu um projeto, conseguiu o financiamento da Re:wild e me convidou para coordenar a equipe aqui em Pernambuco”, lembra.
A investigação, então, começou pela leitura do diário do naturalista Gardner, que continha o roteiro de sua viagem, de Olinda até Itamaracá, e diversas anotações que sugeriam pistas de onde ele podia ter coletado a planta.
O passo seguinte foi revirar os quatro herbários existentes no Recife em busca de vestígios. Depois de muito trabalho, descobriu-se no IPA uma amostra de 1962 classificada erroneamente como pertencente a uma outra família e, na Universidade Federal de Pernambuco, uma mais recente, de 2007, ambas bastante semelhantes à Ilex sapiiformis. Na amostra de 2007 havia a indicação do local da coleta: a Mata da Zambana.
De posse dessas informações, uma equipe de sete pessoas embrenhou-se pela mata, localizada dentro da Usina São José, guiada pelo mateiro Lenilson Barbosa, que trabalha ali há muitos anos. Coincidentemente, ele tinha sido o guia de outro pesquisador, o que esteve ali em 2007, e soube reconhecer a árvore assim que bateu os olhos nela, uma semana depois de iniciada a expedição, nas beiras de um pequeno riacho: “Acho que é esta”, declarou, enquanto apontava para a árvore de tronco fino, com cerca de 4 metros (pode chegar a 12 metros), folhas de um verde vivo e minúsculas flores brancas.
Em volta da árvore, a equipe de pesquisadores aguardou a avaliação do especialista, o professor Milton Groppo. E comemorou, com muita emoção, quando ele confirmou que haviam encontrado a planta que não era vista há quase dois séculos. Depois disso, encontraram outros três indivíduos na mesma área.
A botânica Juliana conta que novas espécies são frequentemente descobertas, porque a natureza é mutável, as plantas e os animais se adaptam e se modificam. Já encontrar uma espécie tida como extinta é uma coisa muito rara e deve ser festejada porque todo ser vivo tem uma função na natureza. “Quando uma espécie desaparece, deixa uma lacuna no ecossistema, que pode ou não ser ocupada por outra espécie. A partir de agora vamos estudar mais o azevinho pernambucano e tentar reproduzi-lo para garantir sua sobrevivência”, explica.
Para a presidente do Conselho Gestor da APA Aldeia-Bebeeribe, Cinthia Lima, a descoberta é muito importante e é bastante possível que o azevinho pernambucano também ocorra na APA, uma vez que ela está separada da Mata da Zambana apenas pela PE-41 e que os remanescentes de florestas têm uma composição florística muito parecida umas com as outras.
“É preciso lembrar que nas últimas décadas descobrimos muitas espécies novas dentro da APA e até tidas como extintas, como é o caso do azevinho. Mas se continuarmos degradando a Mata Atlântica na velocidade com que estamos fazendo hoje, é capaz até que muitas espécies desapareçam antes de descobrirmos que elas existem aqui”, alerta Cinthia.
Precisamos cuidar de cada pedaço de nosso bioma, cada ser que aqui vive, sob pena de sofrermos, nós mesmos, as consequências cada vez mais catastróficas dessa destruição.
O estudo que levou ao azevinho pernambucano faz parte de um projeto da Re:wild (que tem parceria com o ator e ativista Leonardo DiCaprio) chamado Em Busca de Espécies Perdidas ou Desaparecidas, cujo objetivo é descobrir 25 espécies globais de plantas, animais ou fungos que há pelo menos dez anos não eram mais observados pela ciência. A partir de agora, uma equipe do Jardim Botânico do Recife passa a monitorar as árvores encontradas para coletar sementes no período de frutificação e, assim, poder reproduzi-las.
* As fotos foram gentilmente cedidas por Fred Jordão (em primeiro plano na foto), fotógrafo aldeiense contratado pela Re:wild para registrar o trabalho da equipe.
A notícia do achado em Igarassu rodou o mundo. Você pode ler mais nos links abaixo:
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Une espèce d’arbre qui n’avait plus été observée depuis 1838 a été retrouvée au Brésil
Holly tree species not seen by scientists in 200 years reappears
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