Uma ave pernalta de bico longo em forma de colher, classificada como mundialmente em extinção, entra “de gaiata num navio” na costa europeia e vem parar nas terras pernambucanas. Isso aconteceu com uma dupla de colhereiros brancos marcados com anilhas italianas que chegou ao Recife no início do ano passado alojada na tubulação de um cargueiro de bandeira espanhola. Um deles morreu durante a viagem; o outro está se recuperando em Aldeia, no Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) Tangara, no km 8 da Estrada da Mumbeca (PE-16).
Assim como o colhereiro que veio de longe, milhares de animais silvestres em condições precárias são resgatados em Pernambuco e levados para o Cetas, onde são cuidados, reabilitados e reinseridos na natureza. Cerca de 96% são aves e, destas, 90% são pássaros canoros, como informa o biólogo Yuri Valença. A grande maioria é apreendida nas mãos de traficantes, e esses animais muitas vezes chegam feridos ou mutilados e precisam passar por tratamento médico até estarem aptos a voltar à natureza.
Desde 2011 (com a Lei Complementar 140), a atribuição de salvaguardar, reabilitar e reintroduzir no ambiente os animais silvestres passou do âmbito federal (Ibama) para o estadual (CPRH, a que o Cetas está subordinado). Mas, somente no começo do ano passado, o Cetas foi instalado na área de 2,6 hectares onde funciona hoje, no terreno onde, no passado, existiu o criadouro particular de aves Chaparral.
De acordo com Yuri, os animais ganharam muito com essa mudança, a começar pelo espaço físico. Antes, ficavam numa área bastante restrita no quintal da Superintendência do Ibama, em Casa Forte, na Zona Norte do Recife. Agora têm terreno próprio, viveiros maiores, área de clínica e de laboratório, setor de armazenamento de alimentos e de reabilitação; as presas são separadas dos predadores, o que diminui o estresse; e o ambiente é mais propício à readaptação. Além do mais, a equipe que se dedica ao Cetas foi duplicada: hoje são dois biólogos, quatro veterinários, oito tratadores e dois manipuladores de alimentos.
“Outra coisa positiva é que, por estarmos numa área de preservação ambiental – a APA Aldeia-Beberibe –, muitas vezes a soltura é feita por aqui mesmo, o que evita que o animal se estresse com o deslocamento para locais mais afastados”, diz Tatiana Clericuzi, também bióloga do Cetas Tangara. Ela conta que há algumas áreas de proteção, no CMINIC (Centro de Instrução Marechal Newton Cavalcanti), uma unidade do Exército Brasileiro, no km 21, e em alguns condomínios, para onde são levados os cágados, as iguanas, as jiboias, os timbus, as preguiças e as aves em geral, entre outros animais de Mata Atlântica atendidos no Cetas.
“Também recebemos entregas voluntárias de animais não legais – só de papagaios, uma média de dez por mês – e muitos animais atropelados ou feridos”, explica a bióloga. Ali eles recebem todo cuidado e têm seu destino definido de acordo com o perfil de cada um. O do colhereiro europeu, por exemplo, está sendo estudado, pois se trata de uma espécie que não ocorre no Brasil, embora haja registros de sua passagem, durante a migração, pelo arquipélago de Fernando de Noronha.
Enquanto isso, os biólogos do Tangara ensinam: se alguém se deparar com um animal silvestre machucado ou perdido, ou pessoas caçando ou comercializando bichos em Aldeia, deve ligar para a Brigada Ambiental de Camaragibe (81 3456 7100 ou 153), Cipoma (81 3181 1700) ou CPRH Fauna (81 3182 8905 / 81 3182 8811) que o resgatará e o entregará aos cuidados do Cetas.
Texto publicado originalmente em 29/6/17
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