Até onde sabemos, o vírus SARS-CoV-2, causador da Covid-19, foi transmitido aos humanos pelo contato com animais silvestres, provavelmente morcegos ou pangolins (1). Isso quer dizer que o vírus naturalmente presente nesses animais evoluiu para formas capazes de infectar humanos.
Doenças virais originadas em animais silvestres infelizmente são nossas velhas conhecidas. O vírus HIV e o vírus da febre amarela (YFV) provavelmente foram transmitidos aos humanos por símios ou por macacos; o Ebolavirus foi provavelmente transmitido por morcegos; e, mais recentemente, os coronavírus causadores da SARS em 2002-2003 (SARS-CoV) e da MERS em 2012 (MERS-CoV) são provavelmente originários de morcegos e foram transmitidos para humanos por hospedeiros intermediários como as civetas e os camelos (1).
Essa transmissão ocorre quando há contato entre os humanos e os animais silvestres, ou entre estes e os animais domésticos, e destes para os humanos, como foi o caso do vírus H5N1 causador da gripe aviária de 2003, transmitido pelas aves (foto abaixo), e do vírus H1N1, causador da gripe pandêmica de 1918 (conhecida como “gripe espanhola”), e posteriormente da gripe suína de 2009, transmitida aos humanos pelos porcos.
Esse contato entre nós e os animais silvestres tem sido cada vez maior e mais frequente, como resultado da nossa expansão e ocupação dos habitats naturais desses animais.
As mudanças climáticas e nossos impactos sobre a fauna e a flora, como a poluição, o desmatamento e a caça predatória, por exemplo, têm alterado o modo de vida dos animais – onde vivem, como vivem e o que comem.
As cidades cada vez mais vêm se tornando habitats propícios para a vida silvestre, como ratos, pombos, gambás, morcegos, e em outros países, esquilos, macacos e guaxinins, que encontram alimento em maior quantidade do que nos seus habitats naturais – o nosso “lixo”, e conseguem se reproduzir mais por não encontrarem tantos predadores naturais.
O que nos parece, à primeira vista, uma invasão desses animais nas cidades, nada mais é do que a nossa invasão em seus habitats naturais, e o aumento da transmissão dessas doenças é o resultado dessa maior interação.
Os ambientes naturais abrigam uma alta diversidade de espécies de animais, plantas, fungos, bactérias, e também uma grande diversidade de vírus que vivem ali em uma relação harmônica. Quando interferimos nesse ambiente, perturbamos essa relação e nos tornamos vulneráveis a esses vírus. Mas nós, ao contrário das espécies que convivem com eles ao longo de milhares de anos, não temos defesas naturais, e assim as epidemias acontecem.
Além disso, vivemos cada vez mais aglomerados nas cidades, com condições precárias de higiene, muitas vezes sem saneamento básico, nos deslocando em transportes lotados, respirando o ar poluído pelos nossos próprios veículos. Todas essas condições contribuem para a transmissão de doenças, como essa pandemia que estamos vivendo atualmente.
Infelizmente, sim. A Covid-19 não foi uma surpresa. Desde a explosão da SARS em 2002-2003, pesquisadores e epidemiologistas já haviam apontado para o perigo dos mercados de animais silvestres (2), prováveis focos da SARS e da Covid-19, e da reincidência de doenças como essa.
O comércio de animais silvestres não é, no entanto, exclusividade dos chineses. O tráfico de animais silvestres é uma das atividades mais lucrativas do planeta, e no Brasil, apesar dessa prática ser considerada crime ambiental, não é diferente.
A captura de animais silvestres para colecionadores e zoológicos particulares, para fins científicos sem a devida autorização (biopirataria), para lojas de animais de estimação (pet shops) e para a produção de adornos e artesanatos onde se utilizam pele, couro, penas, escamas e presas, entre outras partes dos animais, estão entre as principais causas de extinção de espécies animais e contribuem também para a transmissão de doenças.
Muitos animais silvestres são capturados também para alimentação, seja por serem “exóticos”, seja por não haver outra opção. No Brasil, a carne de tatu, por exemplo, é bastante consumida, apesar da caça desses animais ser ilegal (foto abaixo). Além de algumas espécies de tatu estarem em extinção, estudos recentes mostraram que eles podem transmitir a bactéria Mycobacterium leprae, causadora da hanseníase (3).
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