‘Eu não consigo respirar’, essas foram as últimas palavras ditas por George Floyd, o homem negro morto por um policial branco ficha suja, nos EUA, na semana passada.
‘Eu não consigo respirar’, coincidentemente, também foi a frase de um idoso, infectado pela negligência de um sobrinho, que achava que a Covid-19 era apenas “uma gripezinha”. A festa de 80 anos foi cancelada, pois atendendo à eugenia protocolar, teve que abrir mão do respirador para um jovem paciente acometido pela Covid. Como conseguem dormir e respirar em paz os ordenadores de despesa que superfaturam e praticam homicídio doloso (isso mesmo, doloso) contra seus semelhantes?
Eu também não consigo respirar com a fumaça das tochas dos manifestos sinistros que rememoram os terríveis movimentos da Ku Klux Klan e do nazismo, onde a estética surrealista da Era da supremacia racial que pensávamos já superada, renasce junto com o obscurantismo.
Eu não consigo respirar, com a sensação de pânico, ao lembrar que estamos à deriva, nessa nau chamada Brasil que, por ironia perversa, no meio da mais grave pandemia, está sem ministro titular da Saúde, cujo pré-requisito para se candidatar ao cargo é se opor ao que preconiza a Organização Mundial de Saúde e concordar com terraplanistas.
Eu não consigo respirar com a imagem de árvores seculares tombando na Amazônia, abrindo clareiras e avançando em áreas indígenas, com a visível conivência das autoridades, que festejam que a pandemia funcione como uma “cortina de fumaça” para encobrir esse crime, bem como o fechamento de três unidades do Projeto Tamar.
Afinal, qual a ‘importância’ e qual a capacidade de indignação das tartarugas e dos seus defensores se há uma apatia reinante que paralisa até os defensores da democracia, quando figuras esdrúxulas se armam para desafiar até a Corte Suprema?
Eu não consigo respirar quando lembro que estamos na Semana do Meio Ambiente e não há nada a comemorar. Embora moremos numa Área de Proteção Ambiental (APA), no segundo maior fragmento de Mata Atlântica do Norte-Nordeste, um oásis, onde nesse tempo de corona, muitos aqui se ‘autoexilam’, em busca de paz, de espaço, de verde e (paradoxalmente) de ar, ainda assim, não consigo respirar quando vejo a morte das nascentes, os descartes irregulares de lixo, os caminhões de madeira circulando sorrateiro nas noites, as folhas sendo aleatoriamente queimadas, os pássaros engaiolados…
Mas, como um açum-preto, e como dizia o poeta Thiago de Melo: ‘faz escuro, mas eu canto!’.
Imagem: Reprodução do quadro O Grito, de Edward Munch
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