O Dia Internacional das Florestas, hoje, me lembra que conseguimos quase aparar a queda com o processo do Arco Metropolitano, mas o coice da Escola de Sargentos e Armas veio rápido e com uma força inesperada. Nossa tão maltratada, vilipendiada, desrespeitada, invadida, depredada APA Aldeia-Beberibe vive seus últimos dias de “área de proteção ambiental”. O presidente Jair Bolsonaro estará aqui na próxima quarta-feira para dar a cajadada final no que um dia – há apenas 12 anos, completados no último dia 17 de março! – foi o vislumbre de uma área protegida e de uso regulamentado, onde humanos e natureza conviveriam em harmonia.
A cobiça imediatista humana mais uma vez pretende passar por cima da vida nossa de hoje e da de nossos filhos, netos, bisnetos de um dia. A mentalidade do “cimento é desenvolvimento” faz com que milhares de desavisados venham para Aldeia para viver em lotes de 300 m2, vendidos como o paraíso na terra. Não veem eles que Aldeia tem limites e que estes limites estão esgotados há tempos.
O público incauto talvez não tenha culpa, ele é movido pelos modismos e pelas falsas promessas de uma vida mais saudável. Quem tem a culpa, a responsabilidade de verdade, é o Governo, são os governos que se sucederam desde 2010 e que nunca tiveram um olhar de cuidado, de preocupação, de admiração, de planejamento estratégico para esse último grande fragmento de Mata Atlântica do nosso Estado. Último fragmento! Último!
O que poderia e deveria ter sido um case de sucesso no que diz respeito a planejamento territorial, a desenvolvimento sustentável, à proteção de mananciais, é hoje, sem dúvida, um case a ser estudado de como a falta de todas essas prerrogativas leva à desordem, ao caos social, à extinção dos recursos naturais de uma região. Enquanto o mundo se volta para a preservação, reconhece o valor das florestas e tenta remediar o mal que a humanidade já causou, aqui continuamos em frente, em nome do “desenvolvimento e da geração de empregos”!
Estou sendo negativa? Veremos em muito pouco tempo (se o arrefecimento da pandemia não frear a vinda dos incautos para cá e o ritmo frenético de “urbanização” que presenciamos há dois anos). Se continuarmos dessa forma, em pouco tempo não teremos água para citar apenas o problema maior (mobilidade é outro de proporções trágicas, termelétricas, perturbação do sossego, estrutura de distribuição de energia elétrica sem capacidade para atender à nova e gigantesca demanda, pulverização sistêmica de agrotóxicos etc.).
O nosso lençol freático tem um limite. Hoje ele abastece – além das milhares de novas moradias e suas abastadas piscinas – dezenas de águas minerais que o sugam a seu bel prazer sem que o Governo intervenha na forma de regulamentação, fiscalização, taxação. Nada.
Nosso lençol freático é tratado como se fosse infinito e não é. Se reabastece? Sim. Mas como? Com florestas. E o que o Governo faz com as florestas? Permite e incentiva empreendimentos destruidores, supressores delas, como imensos loteamentos, idealiza o Arco que cortaria a APA ao meio, e agora, no momento mais delicado no que diz respeito à proteção do que ainda nos resta de mata preservada, se exime de lutar por uma alternativa locacional menos agressiva na questão da Escola de Sargentos!
Existe uma alternativa locacional que agrada a gregos e troianos, que mantém a escola em terras pernambucanas, aldeienses, e que não destrói os 150 hectares previstos no projeto que foi bastante infeliz (fiquemos com este adjetivo) ao posicionar todos os equipamentos justamente em cima da área de maior concentração de mananciais de todo o CMINC. É justamente ali onde se formam os corpos d’água que abastecem a represa de Botafogo, que abastece nada mais, nada menos, que um milhão, UM MILHÃO, de pernambucanos do litoral Norte da RMR.
Essa alternativa aliaria a presença da ESA ao município de Araçoiaba – um dos IDHs mais baixos do Brasil! – e à passagem do Arco que arrodearia a APA Aldeia-Beberibe. Tudo encaixaria não apenas na minha modesta visão de jornalista, mas na de estudiosos da economia regional e no desenvolvimento planejado que já consultamos (nós do Fórum Socioambiental de Aldeia). É tão claro como a água que vai deixar de ser produzida se derrubarem a floresta que o próprio Exército Brasileiro se orgulha de ter preservado por 70 anos! (Como eles mantêm uma floresta durante 70 anos para, depois de ela estar produzindo plenamente todos os seus ativos ambientais, simplesmente destruí-la?).
Aldeia como Área de Proteção Ambiental está se acabando e bem debaixo de nossos olhos. Dos nossos de moradores e da vista grossa do Governo que sabe ir à ONU e a Glasgow usar do marketing para maquiar seus feitos, enquanto aqui, na vida real, nosso restinho de Mata Atlântica agoniza. É muito triste, senhores, ser testemunha dessa tragédia que será oficializada com a assinatura da “ordem de serviço” para o início das obras da Escola de Sargentos.
Ludmila Portela, jornalista, vice-presidente do Fórum Socioambiental de Aldeia.