A comunidade de Aldeia foi surpreendida na tarde desta terça-feira, 4, com a informação de que o Parque Aldeia dos Camarás (km 11) não pertence mais ao poder público. Decreto do prefeito Demóstenes Meira, assinado com a data de 14 de novembro, divulgado nesta terça e publicado nesta quarta, informa que “fica revogada, diante da perda superveniente de interesse público, a declaração de utilidade pública, para fins de desapropriação, da área descrita no Decreto nº 140 de 2011.
Quem passou em frente ao parque pôde ver surgir, de uma hora para outra, uma faixa anunciando que aquela área é privada e pertence ao espólio de Torquato Castro, de acordo com o Decreto nº 40/2018. Nas redes sociais e nas ruas, o sentimento era só um: espanto.
Único espaço público de lazer de toda a região, os 8 hectares do parque foram desapropriados pela administração municipal em 2011 e já foram alvo de muita luta da sociedade justamente por nunca terem recebido os cuidados devidos por parte das autoridades, estando até hoje sem luz, sem segurança e sem capinação. Um grupo de moradores, inclusive, havia acabado de divulgar a realização de um movimento, previsto para o próximo sábado, 8, com atividades lúdicas e culturais para pedir melhorias no espaço.
A notícia da devolução do espaço para seu antigo dono deixou toda a comunidade atônita. Para uma das organizadoras do ato de sábado, a educadora Ester Rosa, moradora de Aldeia há 15 anos, o decreto do prefeito deixou a todos indignados. “Ficamos surpreendidos que uma questão dessa importância não tenha sido debatida com a comunidade. Nossa inquietação era pelo fato de que o parque existe há tantos anos, as pessoas da comunidade o utilizam tanto, mas em condições tão precárias. O movimento vai continuar e agora mais do que nunca vamos chamar a atenção de todos para que o parque continue a ser da cidade e da população, que tem todo o direito de ter um espaço de lazer e cultura iluminado e seguro”, diz.
A reportagem não conseguiu falar com nenhum representante da Prefeitura, além da Secretaria de Comunicação que, no fim do dia, soltou uma nota informando que “a devolução aconteceu devido às diversas irregularidades contratuais que obrigaram a Prefeitura a restituir nesta gestão a diferença paga em favor do antigo proprietário, no valor de R$ 10.170.000,00, tendo em vista que o processo de desapropriação continua em curso, ou seja, não aconteceu”. (Leia a íntegra da nota abaixo)
O terreno, que fica ao lado da Estrada do Cajá, foi desapropriado em 2011 pelo então prefeito João Lemos depois que a família Torquato Castro já a havia vendido para uma incorporadora. Na época, a derrubada de dezenas de jaqueiras para a construção de um empreendimento imobiliário provocou uma grande comoção entre os moradores, que chegaram a realizar um protesto na Estrada.
Com a desapropriação paga com recursos da Secretaria de Educação do município, a Prefeitura anunciou que tornaria o local um centro de caráter educativo, chegando a ser chamado de Parque Espaço Saber. Réplicas de animais pré-históricos foram comprados e até hoje estão no terreno.
A gestão seguinte, do prefeito Jorge Alexandre, desafetou a área para desvinculá-la da Secretaria de Educação. Com isso, o local passou a ser classificado como parque público dedicado ao lazer, práticas esportivas e cultura. O problema é que, ainda em 2012, o projeto de construção do Espaço Saber acabou sendo embargado pela CPRH por prever obras próximas à nascente do Rio das Pacas.
Em outubro do ano passado, comprometido com a causa do parque, o prefeito Meira encaminhou à Câmara Municipal de Camaragibe o Projeto de Lei Nº 054/2017, tendo ele próprio comparecido à sessão e defendido o projeto, em caráter de urgência, tratando da desafetação de uma rua situada na área da Água Mineral Santa Joana (km 9,8). O PL, aprovado pelos vereadores com 11 votos favoráveis, determinou que os recursos advindos da desafetação fossem aplicados integralmente no parque de Aldeia.
Este ano, depois de diversas reuniões com a comunidade, a Prefeitura refez o projeto do parque e obteve a suspensão do embargo da CPRH. Em seguida promoveu uma votação eletrônica para escolha do nome do lugar, na qual venceu a proposta de chamar-se Parque Aldeia dos Camarás.
No mês de junho passado, mais de mil mudas foram plantadas para fazer rebrotar o Rio das Pacas, hoje praticamente seco. O plantio foi parte de um projeto da APA Aldeia-Beberibe, que também previa a implantação do primeiro viveiro florestal do Estado de Pernambuco dentro do parque de Aldeia.
Dois meses atrás, no entanto, uma nova polêmica ameaçou os projetos ambientais pensados para o parque. O prefeito Meira ordenou a abertura de uma rua que passava dentro da área do parque, na tentativa de construir um binário para facilitar o trânsito na comunidade do Vera Cruz. Como não havia licença ambiental, a obra foi temporariamente embargada e a Prefeitura – e o prefeito – receberam multas.
Com o decreto, que foi publicado nesta quarta, não se sabe o que pode acontecer com a área daqui para frente. Mas tudo indica que essa novela ainda vai ter muitos capítulos.
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