Em um trecho do memorável discurso proferido em 1854, em resposta ao Governo Americano, que insistia em comprar parte da Reserva Indígena, o Cacique Seattle assegurou, ‘ a terra não pertence ao homem, é o homem que pertence a terra(…)Todas as coisas estão interligadas, como o sangue que une uma família, tudo está interligado entre si. Tudo quanto agride a terra, agride os filhos da terra. Não foi o homem que teceu a trama da vida, ele é um mero fio da mesma. Tudo que ele fizer à trama, a si próprio o fará.
Essa pandemia trouxe para muitos ‘homens brancos’, reféns de urbanos ‘cárceres privados’, o aprendizado dos reais valores da nossa efêmera e frágil existência. Enquanto a TV e as mídias nos atualizaram diariamente com as estatísticas fúnebres dos corpos a serem enterrados e a seleção, pouco natural, de quem teria acesso a um tubo de oxigênio ou não, muitos começaram a valorizar o verde das matas, os cantos das sabiás, a travessia vagarosa das preguiças, o ar mais puro e a visão mais nítida das estrelas.
Não à toa, o bucólico ar do campo foi mais disputado, transformando nossa Aldeia num local atraente para a especulação imobiliária. O trânsito cada dia mais pesado tem sido um bom termômetro para esse crescimento populacional.
O fato de integrarmos a APA Aldeia Beberibe, importante fragmento de Mata Atlântica do Norte-Nordeste, apesar do título pomposo, não oferece nenhum selo de garantia à sua preservação. Tanto que, recentemente, no meio das brumas desse cenário pandêmico, fomos assombrados com um edital de licitação para construção do Arco Metropolitano, trazendo em seu bojo nítidos retrocessos e desrespeito à legislação ambiental, em especial à que regula a proteção dos nossos mananciais, cujo traçado, paradoxalmente, outrora já havia sido rejeitado pelos próprios órgãos de controle ambiental do Estado.
O Fórum Ambiental de Aldeia tem sido importante instrumento de reflexão e resistência nesse tenebroso cenário. Compartilhamos hoje da preocupação do velho e sábio Cacique, caso a ganância prevaleça e a força da grana que destrói coisas belas prevaleça, ‘como será nosso destino quando os secretos recantos das florestas forem invadidos pelo odor do suor de muitos homens e a visão das brilhantes colinas bloqueadas por fios falantes? Onde está o matagal? Desapareceu. Onde está a águia? Desapareceu. O fim do viver e o início do sobreviver”.
Isadora Marques mora em Aldeia desde 2000.
Foto de destaque: Pink Floyd – “Animals”
Cadastre-se para receber nossa newsletter.