Atraídos pelo clima e pela natureza, muitos estrangeiros que vêm para Pernambuco escolhem Aldeia como local de moradia. Alguns estão aqui há muito tempo: criaram raízes, casaram, tiveram filhos, trabalharam. Uns até hoje só veem o lado positivo da região: a tranquilidade, o povo comunicativo, o que ainda há de mata preservada. Outros ressaltam o que há de pior: a chegada do progresso – e com ele a violência –, o desmatamento e o excesso de movimento na Estrada.
Conversamos com seis desses gringos. Confira o que eles disseram:
Depois de trabalhar por duas décadas no ramo de importação de perfumes ao lado do pai, a colombiana Teresa Mojica decidiu que era hora de mudar de vida. Aproveitou que o pai estava de mudança para São Paulo e decretou que o que queria era justamente o contrário daquilo: queria viver sossegada, em contato com a natureza e da forma mais natural possível.
Desde 2012 mora no condomínio Haras de Aldeia, no km 20, rodeada de mata por todos os lados e com a companhia exclusiva de seus seis cachorros. Este ano abriu a loja Salud, de produtos naturais e veganos, no km 10,5, e diz que se sente realizada.
“Da minha varanda vejo lindos entardeceres e adoro ter espaço para conviver com os meus cachorros. Como sou muito caseira, aproveito muito minha casa. O estilo de vida que tenho hoje é o que eu sempre quis ter. Imagine que durmo bem cedo e, todos os dias da semana, vejo o sol nascer no meu terraço. Que posso querer mais?, questiona.
Teresa é apaixonada pelo Brasil, onde chegou há 25 anos. E muito mais ainda por Aldeia. Ela e o pai tinham uma casa na região e lá costumavam passar o fim de semana. Fixada a residência, Teresa decreta, com seu forte sotaque colombiano: “Não quero sair daqui nunca mais”.
O agricultor Setsuo Takata está com 68 anos e chegou ao Brasil com a família quando ainda era criança, em 1959. Em Aldeia, o fazendeiro Torquato Castro, que tinha contato com o serviço de imigração, havia solicitado duas famílias japonesas para trabalhar como meeiras. E foi plantando melancias e pequenas hortas que os Takata se estabeleceram por aqui. “Me dê banana” foi a primeira coisa que o pequeno Setsuo aprendeu a falar na língua local e foi graças a essa frase que levou a primeira bronca em português, dada pela dona do bananal que o japonesinho pensou em atacar.
De lá para cá, passou por muita coisa. O casamento com a também japonesa Mutsumi, que conheceu na Bahia, foi arranjado (miai é como se chama “casamento arranjado” em japonês) pelos pais e lhe rendeu quatro filhos e duas netas (até agora). Para sobreviver, trabalhou em diversos ramos e chegou a ficar por onze anos no Japão, longe dos filhos. Na volta, em 2008, decidiu investir na terra.
“Minha filha insistia muito para eu voltar do Japão, além de que, lá, eu trabalhava até 16 horas por dia para conseguir juntar algum dinheiro. Então voltei e, com o dinheiro que economizei, comprei um tratorzinho. Foi com ele que eu pude limpar o terreno e começar a plantar aqui”, explica. Hoje, ele e o filho Roberto vivem da agricultura orgânica cultivada no terreno que têm a 4,5 quilômetros da pista pela Estrada do Oitenta (km 5,5 da Estrada de Aldeia).
Mesmo sem nacionalidade brasileira, o japonês diz que se sente muito mais em casa aqui do que na sua Okayama natal. “Aqui em Aldeia as pessoas ainda dão bom-dia, boa-noite. Lá as pessoas numa mesma vila não se conhecem porque saem de manhã cedo e voltam do trabalho tarde da noite. A verdade é que no Japão se trabalha muito e se vive pouco”, resume.
A enfermeira Eva Maria Forsberg de Paula nasceu em Linkoping, na Suécia. Na juventude conheceu uma brasileira, quando fazia intercâmbio nos Estados Unidos, e desde aquela época sentiu vontade de vir ao Brasil para fazer trabalhos sociais. Mas foi algum tempo depois, na Suécia, que se apaixonou pelo antropólogo pernambucano Anacleto Julião, um dos filhos do ex-deputado e advogado Francisco Julião, revolucionário que liderou as Ligas Camponesas.
Com a anistia, no final da década de 1970, os exilados começaram a voltar ao país e, entre eles, o casal Eva e Anacleto, já com o primeiro dos três filhos. Eva conta que casualmente esteve com o marido numa festa de São João em Aldeia e naquela época havia muito poucos moradores na região. O casal se apaixonou pela natureza e pela tranquilidade e há 26 anos comprou a casa em que vive até hoje, no km 4,5.
“Todo ano eu vou de férias visitar a família na Suécia, mas sinto que Aldeia é o meu lugar. Aqui criei raízes, meus filhos estudaram desde pequenos na EIA e foi muito bom criá-los livres neste lugar”, diz Eva, lembrando tempos em que aqui não havia iluminação pública e era difícil conseguir comprar uma linha telefônica.
“Atualmente tem tudo aqui, não precisamos descer para nada. A única coisa que me faz pensar, às vezes, em sair de Aldeia, é a violência, um problema que é geral no Brasil e está chegando aqui também”, lamenta.
Aos 86 anos de idade, a angolana Maria Cândida de Medeiros Novaes Rocha depende do filho e da nora para se locomover, e essa é a única reclamação que tem sobre morar em Aldeia. “Com a idade ficou mais difícil sair sozinha para a cidade”, lamenta ela, que veio para cá há 14 anos e diz que tudo em Aldeia é bom. “A gente daqui é muito boa e o país é bem parecido com o meu. Hoje em dia tudo aqui é muito composto, não falta nada para quem mora em Aldeia”, opina.
Nina, como é conhecida, fugiu da guerra em Angola quando tinha 48 anos; estava viúva há três e tinha dois filhos já crescidos. Como muitos familiares seus moravam no Brasil, deixou Luanda (a capital, onde morava, apesar de ter nascido mais ao sul, em Lubango) e veio se juntar a eles com um dos filhos (o outro preferiu ficar em Portugal).
Nunca trabalhou fora de casa, “porque mulher não trabalhava fora”, e seu hobby era cuidar das plantas e cozinhar. Um dos pratos angolanos que gostava de preparar até pouco tempo atrás é a muamba, uma galinha preparada com dendê e quiabo e servida com arroz e bolas de pirão feito com uma farinha grossa.
Hoje Nina reclama do isolamento, mas diz ter sorte de morar em Aldeia. Várias vezes na semana ela frequenta aulas de hidroginástica e no condomínio em que vive, no km 6, costuma caminhar em companhia das vizinhas.
Marius Gremaud, 59, estava a passeio no Brasil quando foi convidado por um amigo a almoçar no Restaurante Nossa Senhora de Fátima, A Portuguesa, em Aldeia. O ano era 1989 e o suíço de Friburgo teve um daqueles insights do tipo “um dia vou morar aqui”. Teve que esperar 15 anos para finalmente desistir da vida estressante que levava como empregado de grandes multinacionais como Crédit Suisse e SITA Telecomunicações.
Aqui, depois de um ano sabático, começou a trabalhar com materiais de acrílico e até hoje atua nesse ramo fabricando peças técnicas e decorativas. Amante da natureza, Marius diz que Aldeia já perdeu muito do seu lado mais bucólico, e hoje é apenas um subúrbio arborizado do Recife. Mesmo assim, alguma coisa o fascina a ponto de não querer sair daqui.
“Eu brinco que já comprei meu velório em Camaragibe. Prefiro morrer no calor, detesto o frio. Além disso, aqui ainda tem barzinhos sem grades, as pessoas são comunicativas e eu gosto de interagir com todo tipo de gente, especialmente as pessoas mais simples. Aqui também posso escutar os passarinhos”, destaca.
Com dois filhos (adotivos) e dois netos – metade vivendo em Aldeia e metade na Suíça –, o engenheiro suíço vive num condomínio no km 12,5, considera-se um humanista e diz que “já faz parte da comunidade aldeiense”.
Decepcionado com os rumos que Aldeia vem tomando com a especulação imobiliária cada vez mais feroz, o alemão Thilo Schmidt, consultor em Gestão Sustentável de Resíduos Sólidos, preparou, de próprio punho, um depoimento para o PorAqui Aldeia:
“Escrevo este texto com o acompanhamento sonoro de uma retroescavadeira, que prepara a até então pacata rua para as obras de mais um condomínio em Aldeia.
Meu nome é Thilo Schmidt, alemão nascido em Munique há 56 anos, com raízes familiares na Saxônia. Em todos os cantos do Brasil desde 1992, com moradia em Aldeia a partir de 2005. Na época cheguei no Recife a trabalho, num projeto na CPRH no âmbito da Cooperação Técnica Alemã. Sou engenheiro mecânico, com mestrado em gestão de recursos naturais em países tropicais. Assim, trabalho com consultoria na área de gestão sustentável de resíduos sólidos em projetos no Brasil e no exterior, com a minha base em Aldeia.
Por que Aldeia? Doze anos atrás era um ambiente tranquilo, embora já em plena expansão urbana, ainda com muita vegetação e fauna preservada e a vantagem da proximidade com o Recife. Desde então, muita coisa mudou: ocupação desordenada, condomínios irregulares, especulação imobiliária, casinhas modestas e casarões “de barão” (ou de quem assim se acha) pipocando na mata, muros absurdos como se fossem de prisões, fontes e riachos aterrados, apenas para citar alguns indicadores de um ambiente em via do inchaço urbano.
Embora sendo ativo na tentativa de cobrar o mínimo de atendimento às leis de uso e ocupação do solo desde que cheguei neste pedaço de terra, enfrentamos hoje uma Aldeia condenada a ser engolida pela expansão urbana. Diante dos interesses particulares de grandes investidores, a uma comunidade articulada resta lutar para evitar o pior!”.
Esta matéria foi publicada originalmente em agosto de 2017.
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