No Dia do Biólogo, comemorado nesta segunda (3/9), republicamos a história de Yuri Valença e Tatiana Clericuzzi, do Cetas Tangara, em Aldeia.
Você já parou para pensar que a expressão “levar trabalho pra casa” pode significar, para alguns profissionais, hospedar um filhote de veado no seu banheiro ou dormir em companhia de furões, raposas, morcegos ou tamanduás, tendo que se acordar de madrugada para alimentá-los? Pois isso é rotina para Yúri Valença (32) e Tatiana Clericuzi (38), responsáveis pelo Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas Tangara), da CPRH, em Aldeia.
Durante o dia eles recebem animais apreendidos e machucados e cuidam deles até que possam ser reintroduzidos na natureza. Se ainda são filhotes e não conseguem se alimentar sozinhos, os biólogos os levam para suas casas quando encerram o expediente no Cetas.
“Trabalhar com animais silvestres é um estilo de vida”, resume Yúri, biólogo que desde criança era louco por bichos e tinha o desejo de trabalhar no zoológico. Antes mesmo de começarem as aulas na faculdade, ele conta, realizou o antigo sonho, conseguindo uma vaga de estagiário no zoo de Dois Irmãos. De lá para cá, dez anos depois, tem vivido muitas histórias de dedicação aos animais, que hoje compartilha com a colega Tatiana, no Cetas.
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Uma dessas lembranças é a de 517 filhotinhos de papagaio apreendidos em Salgueiro, no Sertão, em 2011, pelo Ibama (na época o trabalho do Cetas era uma atribuição do órgão federal). “Nunca mais fui o mesmo”, brinca Yúri. “Só de lembrar, tenho vontade de chorar”. O fato é que ele ficou responsável pelas pequenas aves e durante quatro meses precisou alimentar uma a uma com uma seringa. Apesar de ter contado, na maioria das vezes, com um mutirão de voluntários, houve dias de passar até cinco horas realizando o mesmo movimento mais de 500 vezes.
Como trabalham se revezando, no Cetas, Yúri e Tatiana têm que se alternar também para terem direito a alguma folga. Assim, sempre que a instituição recebe filhotes que não conseguem se alimentar sozinhos, um dos dois tem que levá-los para casa.
“Já passei quinze dias com um veadinho no banheiro lá de casa”, lembra Tatiana. “Precisava alimentá-lo até tarde da noite e não tinha como fazer de outra forma”.
Assim como o filhote de veado, uma infinidade de outros animais já dormiram na casa dela, também em Aldeia. Ela cita timbus que chegaram ainda sem pelo e com os olhos fechados. Eles tinham que dormir sobre uma bolsa de água quente porque ela não tem incubadora em casa.
Ou ainda o papa-mel que teve lesão cerebral ao ser atacado por um cachorro e precisou de fisioterapia por vários meses.
Um dos casos mais recentes é o dos filhotes de tamanduá, hoje com três meses, que chegaram recém-nascidos no Cetas. “Um deles chegou ainda dentro da placenta da mãe. Eu tinha que levá-lo para casa todos os dias e trazer no dia seguinte porque tinha que dar mamadeira de duas em duas horas até de madrugada e depois, lentamente, ir ensinando ele a comer sozinho”, conta Tatiana.
“É como ter sempre um filho pequeno em casa, precisando de atenção a toda hora”, completa Yúri, que também já perdeu noites de sono cuidando de animais.
As famílias já se acostumaram. Tatiana é casada e tem três filhas (uma delas de coração). Ela diz que o marido e as meninas só reclamam quando não podem sair ou viajar por causa dos filhotinhos. “Essa é a parte mais complicada, mas eles terminam entendendo a importância do trabalho. Hoje se orgulham muito do que eu faço”, diz.
Yúri, casado com uma bióloga e pai de duas filhas (uma de nove anos e outra de 10 meses), diz contar com a ajuda da esposa e a admiração da filha maior. “Ela sabe que não pode tocar nos animais e respeita muito isso. Engraçado é que, com tão pouca idade, ela já conhece tanto de bicho que se vê alguém chamar um jabuti de tartaruga, ela endoida”, diverte-se o pai coruja (sem trocadilhos).
A dedicação dos dois biólogos é tão grande que conseguem perceber se um animal está se comportando de forma anormal ou se está com o pelo diferente, por exemplo. E assim muitas vezes detectam sintomas de doenças na fase inicial.
Com tanto amor e atenção assim, a pergunta inevitável que sempre ouvem é se não se apegam aos animais.
“Não”, respondem, taxativos. “A gente mantém contato somente na hora de alimentá-los e procura não criar nenhum vínculo maior com os bichos. Nossa grande realização acontece no momento da soltura, quando a gente vê o animal voltando saudável para o seu hábitat. Essa é a nossa grande emoção”, declara Tatiana.
Publicado originalmente em agosto de 2017.
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