Antigamente, chamava-se “alternativa” toda pessoa que buscava uma vida mais tranquila, mais natural e – por que não dizer? –, de estilo hippie. Pois era esse o perfil dos primeiros que se aventuraram a morar em Aldeia, que até a década de 1990, pela distância do Recife, era um local visto como mais adequado para clubes e casas de campo.
O casal Ned Cavalcanti, 86, e Annete Honório, 78, entraram nessa vibe alternativa quando aderiram à alimentação macrobiótica, na década de 1970. E foi por meio da alimentação que eles mudaram a forma de ver o mundo e terminaram se mudando – para nunca mais saírem – para Aldeia, em 1975.
Para falar da Aldeia de antigamente, fomos visitar esse casal, que tem muita história para contar. “Aldeia era um paraíso”, lembra Ned. “O mundo todo era diferente naquela época, mas vimos este bairro inchar de uma forma impressionante nessas quatro décadas”, completa.
E diz que o crescimento foi tão desordenado quanto rápido. Não houve uma adequação da infraestrutura nem da legislação para receber um fluxo tão grande de pessoas e por isso a região hoje tem problemas como excesso de poluição visual e abuso de poluição sonora, falta de acostamento ao longo da estrada, comércio informal em toda parte, insegurança, serviços públicos deficitários, entre outros.
Eles se lembram de quando a PE-27 não tinha nenhuma iluminação e eram raros os que tinham linha telefônica aqui. Um dia a Telpe (companhia telefônica da época) lhes ofereceu uma linha de telefone, cuja caixa era na ponte da Caxangá. Para instalar a linha o casal teve que arcar com a compra da fiação. Detalhe: tiveram que comprar seis quilômetros de fio!
“A infraestrutura era precária, mas em compensação se tinha muito mais segurança. Para se ter uma ideia, uma vez aconteceu de o nosso carro quebrar no meio da estrada, de madrugada, e sabe o que aconteceu? Apareceu um homem que quis nos ajudar e esse homem chegou a ir na casa dele buscar uma corda para nos rebocar”, cita ela. “E nos ajudou sem pedir nada. Nunca mais o vimos”.
Vivendo numa linda casa na estrada do Oitenta (km 6), Annete e Ned têm a companhia de dez gatos, cinco cachorros e dois sapos de estimação.
Eles recordam que nos primeiros tempos de Aldeia costumavam fazer expedições dentro da granja, de 4,5 hectares, e curtiram muito tomar banho no rio que passava numa área que hoje é difícil de acessar – “a gente nem sabe se o rio ainda existe”, diz Annete –, e fazer festas e mais festas para os amigos. Amantes da natureza, plantaram centenas de árvores e preservaram outros milhares.
“A gente que vinha morar aqui tinha essa preocupação em interagir com a natureza, era uma coisa natural. Hoje, vemos as pessoas vindo para cá por modismo ou apenas para fugir do trânsito do Recife”, avalia Ned. “Muito poucos têm essa percepção da responsabilidade que cada um deve ter com o meio ambiente”.
Dentro da propriedade do casal funcionam uma clínica de terapias holísticas (Satori Terapias) e uma Igreja Ortodoxa Sérvia. O próprio Ned é padre da igreja, onde é conhecido como Padre Elias. Todos os domingos ele celebra a missa e já batizou mais de cem pessoas em Aldeia. A Igreja Sérvia manteve-se fiel às tradições originais do cristianismo primitivo e teve sua liturgia escrita no Século 4.
Embora seja celebrada na língua local, a missa dura cerca de duas horas e meia e o padre a celebra de costas para os fiéis, já que é considerado o veículo da luz divina que vem do Oriente e por isso tem que ficar voltado para o Sol.
Já Annete, assistente social aposentada, trabalha hoje se comunicando com pessoas de várias partes do mundo em seu computador. Passa cerca de seis horas por dia disseminando mensagens do paradigma quântico que mostram, basicamente, que o universo está vivendo uma fase de transição e que as pessoas têm que mudar a consciência de si mesmas e do mundo.
Segundo ela, “no novo milênio precisamos elevar nossa vibração, ser responsáveis pelas mudanças e não ser preconceituosos, desamorosos ou injustos”. Ela conta que “abandonou a igreja quando entendeu que todos somos um. Então uni a espiritualidade à física quântica e tento difundir essa ideia. Mas é muito difícil quebrar paradigmas”, avalia.
Com tantas experiências de vida, o casal hoje quase não sai mais de casa. Frequentam pilates, hidroginástica e aula de inglês, mas dificilmente são vistos em eventos sociais. A Aldeia de antigamente parece ter ficado restrita ao território onde eles moram e preservam. Distante 300 metros da pista, eles ainda estão rodeados de mata e de sossego.
“Hoje não quero mais sair de casa. Primeiro, porque não sinto falta de nada. Segundo, porque o mundo lá fora está muito agitado e barulhento”, resume Annete. “Aqui no nosso paraíso particular, meus animais me preenchem a vida”.
Este texto foi publicado originalmente em maio de 2017 e atualizado em setembro de 2018
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