A leve dificuldade auditiva e a pouca memória para datas são os traços mais característicos da passagem do tempo para o engenheiro aposentado do Exército Odylon Spinelli. Mas uma resposta ele sabe dar na ponta da língua, e com orgulho, quando questionado sobre sua data de nascimento: “28 de março de 1918!”.
Para chegar a essa idade com a lucidez e o caminhar rápido e firme, Seu Odylon revela: “Nunca fui de beber nem de orgias. Tenho um temperamento calmo e bom humor, isso é que compõe a vida”.
Nascido na cidade serrana de Nova Friburgo, no Rio de Janeiro, e viúvo há mais de 20 anos, o engenheiro viveu sozinho até os 95 anos de idade. Foi quando contraiu uma pneumonia e resolveu aceitar o convite do filho para vir morar em Aldeia. Apaixonado por poesia – tem um livro publicado –, transforma em verso os temas do seu dia a dia. Como uma espécie de diário, escreveu dezenas de estrofes homenageando Aldeia e a granja Santo Antônio, onde mora.
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Em março deste ano, para a festa de 100 anos, ele conta que a família organizou “um churrasquinho”. A nora, Zuleide Gomes, puxa por sua memória: “Churrasquinho? Foi uma festa grande, vieram vários familiares do Rio de Janeiro, inclusive sua irmã, de 88 anos”, lembra, mostrando a lembrancinha do aniversário, um pequeno livreto com versos de Seu Odylon e uma caneta com seu nome gravado.
Ao ser provocado, o aniversariante vai aos poucos revelando: “Não estava na minha programação, mas fui tirado pra dançar e emendei dançando com todas as netas e bisnetas! Se tem uma coisa que eu gosto e faço bem é dançar”, diz com bom humor e um forte sotaque. Ao falar do passado, lembra de seus anos felizes ao lado de Joseny, uma mulher “bonitona e prendada” com quem se casou na Igreja da Candelária, no Rio de Janeiro, em 1946, e com quem comemorou as bodas de ouro na mesma igreja.
O dia a dia de Seu Odylon em Aldeia agora é mais voltado para a leitura e a televisão. “Quando era jovem joguei muito futebol, eu até acho que poderia ter me tornado profissional porque jogava muito bem. Hoje em dia, eu até procurei criar uma rotina, mas isso não foi adiante porque o sistema muscular não é mais o mesmo”, lamenta.
Ainda assim, diz que não tem nenhum problema de saúde. “Felizmente não sofro de nada, mas digo que tudo comigo é em duplicata: fiz duas cataratas, quebrei duas clavículas, tive duas hérnias inguinais e dois filhos”, brinca.
Mas o que Seu Odylon gosta mesmo no dia a dia, aos cem anos? “Gosto de fazer palavras-cruzadas e ler jornal. As coisas modernas não me atraem”, diz, referindo-se a aparatos tecnológicos como celular e computador. “Me interesso muito pelas notícias e acho que esse aí (não consegue lembrar o nome do presidente eleito) parece uma pessoa equilibrada, simpática, mas não sei não, temos que esperar pra ver”, comenta, acrescentando que não é nem otimista nem pessimista em relação ao Brasil.
Ele gosta também de uma boa conversa. Entre um assunto e outro, para e recita um verso. Há cerca de três meses, descobriu uma nova fonte de prazer, a arteterapia.
Com a ajuda de Mila Andrade, arteterapeuta aldeiense, ele tem sessões semanais de atividades artísticas em sua própria casa, uma agradável granja com um jardim bem cuidado onde mora com o filho e a nora. Um dos trabalhos que vem desenvolvendo é a composição de um livro com histórias de sua vida, fotografias, versos e pinturas.
“Para o fim do ano ele fez cartões de Natal para todos os netos e bisnetos que vêm passar as festas aqui. O que me impressiona mais é a disponibilidade dele. O que a gente propõe ele topa, não se opõe a nada nem reclama de nada. É uma pessoa de fácil convivência”, diz Mila. “É fácil conviver comigo, mas agora, nessa idade, eu é que tenho que conviver com os outros”, brinca Seu Odylon.
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