O vírus que causa a COVID-19 é chamado de SARS Coronavírus 2 (SARS-Cov-2), ou novo coronavírus, e a doença causada por esse vírus é a COVID-19 devido à abreviação de COrona VIrus Disease (Doença do Coronavírus).
Os coronavírus fazem parte de uma grande família viral e causam doença respiratória de leve a moderada. O novo coronavírus causa, na maioria das pessoas, um quadro gripal, a chamada “gripe comum”, que dura alguns dias, incomoda um pouco e se resolve sozinha. No máximo, tomamos algum medicamento antigripal para minimizar o incômodo dos sintomas e pronto. No entanto, também podem causar quadros graves com pneumonia e insuficiência respiratória, sobretudo em pessoas com fatores de risco (idosos, hipertensos, diabéticos, pacientes com câncer, gestantes etc.).
Imagem 1. Vírus SARS-Cov-2 infectando células do corpo
Pois bem, se o novo coronavírus, na maioria dos casos, causa um quadro gripal sem maior risco, por que estamos vivendo esta crise sem precedentes? Bom, basicamente porque se trata de um vírus que, apesar de não ter uma taxa de reprodução (ou taxa R) alta, se comparado com outros vírus como o sarampo, não conta com tratamento eficaz nem vacina. A taxa R do novo coronavírus no Brasil no início da epidemia estava em 3,5, isto é, cada pessoa contaminava mais de 3 pessoas, que contaminavam cada uma mais outras 3 (somando 9 pessoas), que contaminavam cada uma delas mais 3 (somando 27 pessoas), e assim sucessivamente, em progressão geométrica. Com os esforços de isolamento social, além do uso de máscaras e cuidados de higiene, já chegou a 1,3, evitando milhares de mortes!
Quando a taxa R = 1 significa que cada pessoa com o vírus está contaminando somente outra pessoa e isso representa a estabilização do contágio; e, quando a taxa R < 1, significa que o contágio está em queda e a epidemia está sendo vencida (Figura 3). Por isso, as medidas de isolamento social tomadas pelas autoridades sanitárias são fundamentais para evitar o colapso do sistema de saúde e reduzir o número de óbitos!
Figura 2. Representação visual do ritmo de crescimento de pessoas contaminadas pelo SARS-Cov-2 quando a da taxa R é igual a 3.
E quais são as consequências disso? A Organização Mundial de Saúde (OMS) observou o comportamento da epidemia pelo SARS-Cov-2 na província de Wuhan (China), onde tudo começou, e verificou que:
– 80% das pessoas que contraíram o vírus desenvolveram sintomas leves;
– 20% precisaram ser internados;
– 6% desenvolveram a forma mais grave da doença e precisaram de suporte ventilatório (ventilador mecânico); e,
– 2% morreram.
Então, imagine que esse vírus se espalhe numa cidade com 1 milhão de habitantes sem que encontre nenhum obstáculo. Quais seriam as consequências caso 50% da população (500 mil pessoas) dessa cidade hipotética fosse contaminada? Estima-se que:
– 400 mil pessoas, em média, desenvolveriam sintomas gripais leves;
– 100 mil precisariam ser internadas;
– 30 mil precisariam de UTI e ventiladores mecânicos; e,
– 1.000 pessoas, no mínimo, morreriam.
Falo “no mínimo” pois estou mencionando apenas aquelas pessoas que morreriam mesmo tendo acesso a UTI e ventilador mecânico! Outra parcela morreria porque por falta de acesso (ou acesso tardio) a leitos de UTI e de respiradores mecânicos.
Podemos entender, agora, porque a estratégia de “imunidade de rebanho” (ou imunidade coletiva) seria desastrosa: estima-se que entre 43% a 65% (dependendo do estudo) da população deveria ser contaminada para atingir a “imunidade de rebanho” e o vírus parar de se espalhar. Observe a quantidade de vidas perdidas se as autoridades escolhessem essa estratégia ao invés do isolamento social!
Outra reflexão a ser feita é sobre as características da epidemia no Brasil. Um estudo realizado em São Paulo, chamado “SoroEpi MSP – Inquéritos soroepidemiológicos seriados para monitorar a prevalência da infecção por SARS-CoV-2 no Município de São Paulo, SP, Brasil” demonstrou que o número de pessoas que tiveram contato com o SARS-COV-2 que se declararam pretas e têm menor renda e escolaridade é bem maior do que aquelas que se dizem brancas e têm maior renda e escolaridade. O vírus se alastrou muito mais rápido na periferia da cidade de São Paulo e, no ritmo que está, estima-se que é possível que a cidade atinja em poucos meses a “imunidade de rebanho”. A população paulistana branca e abastada que ainda não teve contato com o vírus estaria protegida à custa da morte da população pobre e preta.
Esta realidade não é diferente da encontrada no Recife, segundo evidencia estudo realizado pelo Observatório UFPE da Covid-19: quanto mais assentamentos precários os bairros recifenses têm, menos casos confirmados (menor testagem) e maior a taxa de óbitos por síndrome respiratória aguda grave (SRAG) nestas populações pobres.
Figura 3. Taxa de reprodução (Taxa R) do SARS-Cov-2 nos diferentes estágios da epidemia
Por fim, é importante ressaltar as boas novidades. Inúmeras pesquisas para o desenvolvimento de vacinas contra o novo coronavírus têm sido realizadas, inclusive com testes sendo realizados aqui no Brasil. As previsões mais otimistas apontam que o acesso a uma vacina se dará em meados de 2021, mas nada está certo. Assim, o que nos resta é continuar tendo responsabilidade social, nos cuidando e valorizando as iniciativas que evitem a propagação do vírus, contribuindo para construir o tão falado “novo normal”. Nunca a máxima “o melhor remédio é a prevenção” foi tão certeira!
Quem sabe num próximo artigo nós possamos discutir sobre a epidemia aqui no nosso estado? Cuide-se e um abraço!
Aristides Vitorino de Oliveira Neto é morador de Aldeia, médico de família e comunidade, mestre em saúde coletiva pela UnB e professor de medicina da UFPE.