Entre os dias 9 e 11 de fevereiro 2022, aconteceu em Brest, na França, uma cúpula internacional sobre os oceanos: One Planet Summit for the Ocean, organizada pela ONU e o governo francês (1).
Nessa cúpula, falou-se sobre a saúde dos oceanos, que não está muito boa. Entre vários tipos de problema, existe a poluição pelo plástico. Estima-se que, a cada ano, 10 milhões de toneladas de lixo são despejadas nos oceanos. Para se ter uma ideia mais concreta, é como uma carreta de lixo descarregada por minuto. Só que, ao invés de vir de uma fonte única, a poluição provém de milhões de fontes espalhadas pelo planeta. Mas parte sempre, porém, de atividades e povoações humanas.
O WWF publicou recentemente um relatório exaustivo sobre essa temática que confirma essas tendencias e a urgência de haver uma legislação internacional (2).
É verdade que o plástico (do grego plástikos: relativo à modelagem, do verbo plássein: moldar, formar) representou um ganho imenso, inédito, em termos de conforto na história da humanidade. Com ele, o ser humano adquiriu um poder quase divino! Se Deus moldou o barro para criar o Homem (Genesis 2,7), o Homem pode moldar todas as formas que quer a partir desse material.
Você já viu um pedaço de plástico? Claro que sim! Perguntando de outra forma: você já olhou atentamente um pedaço de plástico qualquer? Quando a gente “medita” sobre um pedaço de plástico, entra numa viagem fascinante… e assustadora. Pois ele contém parte da história geológica do planeta, parte da história industrial moderna e diz muita coisa sobre nossa sociedade atual…
Vejamos:
O plástico é fruto de uma proeza tecnológica e industrial, passando por muitos processos e etapas. Ele é feito a partir da nafta, um subproduto do petróleo. Ora, o petróleo se formou entre 20 e 350 milhões de anos atrás por sedimentação de matérias orgânicas nas camadas rochosas do subsolo. Assim, observar com atenção um pedaço de plástico nos conecta com processos e ciclos de tamanho geológico, com a história geológica do nosso planeta! (3)
Se os primeiros plásticos de origem orgânica existiam na Antiguidade, a generalização do plástico de origem sintética é um fenômeno tipicamente moderno. Basta dar uma olhada ao nosso redor para ver sua onipresença. A produção e o consumo desde o período pós-guerra aumentaram de forma impressionante. Numa pesquisa recente estimou-se que 8,9 bilhões de toneladas de plásticos primários (ou virgens) e secundários (produzidos de material reciclável) já foram fabricados desde meados do século passado, quando os plásticos começaram a ser produzidos em escala industrial. Cerca de dois terços desse total, ou 6,3 bilhões de toneladas, viraram lixo, enquanto 2,6 bilhões de toneladas ainda estão em uso (4).
O que caracteriza as atividades humanas num mundo globalizado é, portanto, a saturação. A humanidade tende a ocupar todos os espaços disponíveis e a poluição gerada acaba voltando para o corpo e a mente de cada um de nós.
E qual é o destino do plástico depois de usado? Ser queimado, poluindo assim a atmosfera? Parar em um lixão ou na rua e em seguida ser levado pelo vento e a chuva para os rios e o mar? Ser separado e depois misturado, como acontece às vezes? Ser separado e reciclado? O Brasil produz cerca de 11,35 milhões de toneladas anuais de lixo plástico. Mas recicla apenas 145 mil toneladas, ou seja, 1,28% do total! (5)
Em 70 anos, depois da sua penetração na vida cotidiana das sociedades modernas, o plástico se tornou uma dependência tóxica e global:
Calcula-se que, a cada ano, mais de 8 milhões de toneladas de lixo produzidas desse material cheguem aos oceanos, provocando prejuízos à vida marinha, à pesca e ao turismo. Grandes aglomerações de plástico flutuante estão presentes em todos os oceanos – são os chamados giros. O maior deles, a Grande Mancha de Lixo do Pacífico, forma-se na altura do Havaí e da Califórnia e se estende até o Japão.
Por sua praticidade no dia a dia, mantemos com o plástico a mesma dependência que mantemos com o petróleo em relação ao transporte. Da mesma forma, ficamos alienados e dependentes de algo que prejudica e destrói. Fomos mal-acostumados pela potência energética proporcionada e possibilitada pelo petróleo e seus subprodutos! Assim, cada cidadão/consumidor que usa e abusa do plástico possui um poder exorbitante. Suas ações mais simples do dia a dia (quando acumuladas e colocadas juntas) envolvem forças e processos imensos.
É o que chamo de “paradoxo temporal do plástico”: foram necessários milhões de anos para que a matéria-prima (o petróleo) se formasse. A humanidade viveu dezenas de milhares de anos sem plástico. Há somente algumas décadas que se domina a tecnologia e que estes produtos invadiram nossas vidas e nossas sociedades numa escala global. A maior parte dos objetos de plástico é utilizada alguns segundos, minutos, meses ou anos, porém leva centenas ou milhares de anos para se decompor (no caso de certas moléculas, elas permanecerão milhares de anos nos ecossistemas).
Além de desafiar nossas escalas de tempo (tempo geológico, sociológico, ecológico, arqueológico), o plástico desafia também nossas escalas de espaço/tamanho (macro/micro): os microplásticos são absorvidos pelos mamíferos marinhos (que o confundem com plâncton), e os pedações maiores acabam formando verdadeiras ilhas artificiais de tamanho continental, ameaçando em algumas décadas a sobrevivência de espécies que cruzam os oceanos há centenas de milhares de anos. Desproporções vertiginosas…
Essa questão do tempo e da velocidade das mudanças são consideradas centrais pelo sociólogo alemão Hartmut Rosa. Segundo ele, nossas sociedades modernas se caracterizam por uma “aceleração social constante e exponencial do tempo” que nos desvincula e nos deixa cegos em relação aos ritmos dos sistemas naturais.
O ritmo de vida, de produção, de consumo, de extração das matérias e de descarte dos dejetos são rápidos demais em relação à capacidade da natureza de se renovar (para continuar provendo recursos) e de absorver (a poluição). As sociedades humanas encontram-se em defasagem temporal com os ritmos e ciclos naturais.
Para que qualquer esperança de mudança seja possível, é preciso tomar a medida certa dos obstáculos que nós mesmos como humanidade produzimos. Seguem alguns deles: a indiferença/distanciamento de muitos cidadãos em relação à “natureza”, que parece algo distante, sem realidade substancial ou vívida, não representa a condição necessária da nossa própria existência ou prosperidade. A concorrência desenfreada entre consumidores e entre empresários (o plástico garante vantagens concorrenciais e uma agilidade insuperável na cadeia de produção); a praticidade imensa e inegável no dia a dia; maus hábitos rapidamente e profundamente adquiridos e enraizados etc.
Pelo tamanho do “problema”, é necessário, com certeza, agir em vários níveis: campanhas de educação, abaixo assinado; mudança de paradigma do setor industrial, conscientização dos sindicatos de comerciantes (para incentivarem os consumidores a diminuir o consumo), cobrança da população em relação aos políticos para aplicarem a lei e apoiarem as cooperativas de catadores e de reciclagem e pôr fim às práticas mafiosas de certos lixões. É preciso muita energia para movimentar esses vários níveis na sociedade. Muitos atores já agem com resultados interessantes e promissores (6).
Para tentar agir sobre as ilhas de plástico, muitas iniciativas científicas e tecnológicas apareceram nos últimos anos: The Ocean CleanUp, Plastic Pollution Coalition, Plastic Oceans, WWF.
Da mesma forma que, segundo especialistas, mudamos de era geológica (do Holoceno entramos no Antropoceno, a Era do Homem, em que o Homem através da sua dinâmica frenética de atividades, de interferências nos ciclos naturais, se tornou um agente de transformação do planeta de tamanho geológico), precisamos mudar de paradigma. Do paradigma do “ser”, do “eu sou” (humano) e a natureza “é” algo alheia, externa, distante, precisamos ir para o “interser”: eu “inter-sou” com tudo que não é “eu”: “humanos e não humanos intersão”. Como dizia Thich Nhat Hanh, recentemente falecido: Inter-ser é uma palavra nova que ainda não está no dicionário, mas espero que seja muito em breve. Existe o verbo “ser”, mas o que proponho é o verbo “inter-ser”, porque não é possível ser sozinho por si mesmo. Você precisa de outras pessoas para ser, você precisa de outros seres para ser. Você não só precisa de um pai, uma mãe, como também de tios, irmãos e irmã e sociedade. Assim como você também precisa de sol, rios, ar, árvores, pássaros e assim por diante. É, portanto, impossível ser sozinho por si só. Você tem que ser com todo mundo e tudo o mais e, portanto, ser é inter-ser.
O Homem é feito de elementos não humanos. Esta é a visão trazida pela meditação. Então, se o homem é feito de elementos não humanos, proteger elementos não humanos é proteger o Homem. E proteger o Homem é proteger os elementos não humanos. Não há outro caminho.
OBS: Quem tiver ideias ou sugestões de ação ou já estiver agindo, entre em contato com a gente pelo e-mail [email protected] ou pelo WhatsApp 81 98808-1506.
Ludovic Aubin é sociólogo e morador de Aldeia.
1 http://oneoceansummit.fr/en/
2 https://wwf.panda.org/es/?5026916/plasticostratado ; https://promo.wwf.org.br/
3 https://pt.wikipedia.org/wiki/Petr%C3%B3leo
4 https://revistapesquisa.fapesp.br/planeta-plastico/
5 https://marsemfim.com.br/maiores-produtores-de-lixo-plastico-brasil-em-4o-lugar/
Muitas matérias (artigos e reportagens) saíram sobre o fenômeno desde a descoberta do Great Pacific garbage patch por Charles J. Moore em 1997. Na NatGeo, a PRI, The Guardian. Nature, Le Monde . -Os artistas também, usando a arte como meio de alertar: Chris Jordan, Jack Johnson (tamanho grande) e seu último disco All the Light Above It Too.
6 Alguns anos atrás, campanhas globais alertando sobre o uso dos canudos de plástico, tiveram certo sucesso. Muitos desses canudos foram substituídos por materiais biodegradáveis ou por canudos metálicos.
Imagens: https://revistapesquisa.fapesp.br/planeta-plastico/
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