Desde a reunião do Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) de 28 de setembro, quando foi revogada a resolução 303/2002 deste órgão, muito temos discutido sobre os resultados dessa revogação para o meio ambiente e mais precisamente para os ecossistemas marinho-costeiros.
Vamos primeiro entender do que se trata essa resolução e o que está sendo discutido.
A Resolução Conama nº 303, de 20 de março de 2002, dispõe sobre parâmetros, definições e limites das Áreas de Preservação Permanente.
Área de Preservação Permanente (APP), segundo o nosso Código Florestal (Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965, revogada pela Lei nº 12.651, de 25 de maio de 2012), é uma “área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.”
A Resolução Conama 303/2002, em seu artigo 3o, determina que “constitui Área de Preservação Permanente a área situada: (…) IX – nas restingas: a) em faixa mínima de trezentos metros, medidos a partir da linha de preamar máxima; b) em qualquer localização ou extensão, quando recoberta por vegetação com função fixadora de dunas ou estabilizadora de mangues; X – em manguezal, em toda a sua extensão.”
Isso quer dizer que, segundo essa resolução, os primeiros 300 metros de faixa de areia a contar a partir da maré mais alta e toda a faixa de areia que contém vegetação estão protegidos por lei, não podendo ser alterados ou desmatados, o mesmo ocorrendo para os manguezais em toda sua extensão.
As restingas são depósitos arenosos paralelos à linha de costa. Elas possuem uma vegetação bem característica, incluindo plantas rasteiras, arbustos e árvores de pequeno a médio porte. São muito resistentes ao sal, à aridez e ao sol forte, e suas raízes são muito importantes para segurar o solo arenoso, prevenindo sua erosão. A preservação da vegetação de restinga é, portanto, fundamental para a manutenção das praias.
Essa vegetação também retém a umidade do solo, lançando-a para a atmosfera através da evapotranspiração, regulando o clima local. Além disso, as restingas são locais de desova de tartarugas marinhas e de nidificação, alimentação e descanso de aves migratórias.
Os manguezais ocorrem na área de transição entre o rio e o mar, que é o que chamamos de estuários. São formados por um tipo de vegetação bem particular, que tolera uma alta variação de salinidade entre as marés vazante e enchente e também consegue sobreviver à variação do nível da água, ora inundada, ora emersa.
Esse ecossistema ocorre apenas em zonas tropicais e subtropicais, entre as latitudes 25oN e 25oS e tem uma grande importância para a manutenção da biodiversidade terrestre e aquática, abrigando uma rica fauna em suas raízes, entre moluscos como ostras e mariscos e crustáceos como camarões e caranguejos.
Os manguezais protegem os estuários da ação das ondas e por isso formam o local perfeito para a reprodução dos peixes. Muitos peixes marinhos vêm desovar nos estuários por serem locais mais abrigados e ricos em nutrientes. Além disso, são importante fonte de alimentação para nós, humanos, e, portanto, fonte de renda para a comunidade que deles vive: pescadores, marisqueiros e catadores de caranguejos.
Por serem ecossistemas litorâneos, as restingas e manguezais são muito visados pelas grandes construtoras. A revogação da resolução Conama 303/2002 irá, portanto, permitir o total desmatamento do que ainda restou da vegetação de restinga e manguezal para a construção de empreendimentos imobiliários como hotéis e resorts.
O litoral de Pernambuco já sofre imensamente com a privatização das praias, uma vez que grandes empreendimentos construídos à beira-mar tomam conta das praias impedindo o seu uso pela população.
Além disso, o desmatamento dessas áreas aumenta as emissões de carbono para a atmosfera, aumenta a erosão das praias e a redução da faixa de areia, uma vez que não há mais vegetação para segurar o solo, e destrói os habitats de milhares de espécies animais e vegetais, terrestres e aquáticas.
É necessário uma grande mobilização social para impedir mais esse retrocesso ambiental.
O Movimento Salve Maracaípe (@salvemaracaipe; salvemaracaipe.com.br), um movimento socioambiental com foco na conservação dos ecossistemas marinhos (oceano, estuários, restingas, recifes de corais e manguezais) criou, juntamente com várias organizações populares, um abaixo-assinado para pressionar o Supremo Tribunal Federal no sentido de anular essa decisão do Conama: https://www.restingaemangueficam.org.br/
Precisamos nos unir e reagir, enquanto é tempo!
Foto de capa: Maria-farinha (Ocypode quadrata) por Mauricio Mercadante (CC BY-NC-SA 2.0)
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