Imagine três gerações de uma mesma família vivendo numa chácara rodeada de mata e os adultos todos trabalhando lá mesmo. Essa família é praticamente autossustentável e um ajuda no negócio do outro. Os Grillo Teixeira, que começaram como o casal capixaba Margareth e Luiz Alberto, hoje são oito adultos e quatro crianças e moram em Aldeia.
Essa história começa quando Teixeira e Margareth alugaram uma casa no Loteamento Canaã para passar o Carnaval de 2010. Eles acharam que tinham alugado por uma semana, mas o contrato na verdade era de um mês. Passado o mês, eles renovaram o contrato por mais dois. E nesse meio tempo encontraram a chácara de quatro hectares (sendo 1,5 ha de mata), no km 7, pela qual se apaixonaram e para onde se mudaram imediatamente. Estão lá até hoje e foi lá que conhecemos esse invejável modelo de convivência familiar sustentável.
Os dois filhos homens do casal, Gustavo e Leonardo, ambos profissionais bem-sucedidos e com excelentes empregos, tiveram insights parecidos. A vida no Recife congestionado e nos escritórios climatizados já não correspondia às suas ambições. Faltava o sossego, a chance de conviver mais com a família e a independência para dar asas à criatividade.
Um de cada vez, foram se chegando, com as esposas, para a casa dos pais. Gustavo sonhando em cultivar cogumelos. Leo, o caçula, pensando em criar aves exóticas. Se mudaram para a chácara, que se chama Alameda das Pitangueiras, e foram estudar suas novas profissões. Só a irmã mais velha, Tatiana, escolheu criar camarão em cativeiro no Rio Grande do Norte, mas também mora em Aldeia e está sempre por perto.
Enquanto isso, o pai – empresário na área de projetos de engenharia e formado em agronomia – se aposentou e, influenciado por um irmão especialista em hidroponia no Rio de Janeiro, passou a montar sua própria estufa e a plantar tudo quanto é tipo de legumes e verduras. Depois que produz as mudas, a partir de sementes que fertiliza uma a uma, transplanta as mais altas para o chão e vai colhendo as folhas dos canteiros hidropônicos. São mais de 15 tipos de alface e mais chicória, agrião, repolho, alecrim, alho-poró, entre outras.
“Como bons capixabas, comemos muitas folhas. E é maravilhoso podermos colher nossa salada na hora em que vamos comê-la. Sem falar na satisfação de chegar numa escola pública com os enormes pés de alface, por exemplo, saudáveis e frescos para ajudar na alimentação das crianças”, descreve Teixeira.
Hoje a produção abastece a família inteira e, quando há excedente, eles vendem uma parte e doam para escolas públicas. Teixeira agora está se dedicando à plantação de pimenta-biquinho, já chegando a uma produção semanal de seis quilos, com compradores garantidos. Na chácara também há galinheiro com galinhas e patos, criação de coelhos e um açude onde pescam tilápia para o dia a dia e como diversão junto com as crianças.
Margareth, bióloga e consultora na área ambiental, também apaixonada por plantas e obcecada pelo desperdício zero e o aproveitamento de qualquer material, tomou conta do jardim. Hoje tem um orquidário com mais de 400 espécies diferentes – muitas delas raras – e montou um ateliê onde experimenta diversas técnicas de artesanato com peças que iam para o lixo (nas fotos abaixo, algumas de suas peças). “Sou recicladora, não artesã”, se define ela, que está sempre catando cabaças, garrafas usadas, restos de madeira e pedaços de objetos quebrados.
Outra ocupação de Margareth é na cozinha, experimentando receitas com as frutas da propriedade. Ela conta que faz doces e geleias – inclusive de pimenta – para evitar o desperdício. “Me dá agonia ver as frutas caírem do pé e não serem aproveitadas”, diz. Muitas frutas, como cajá e pitanga, vão para uma despolpadora e viram polpas que rendem à família suco pelo ano inteiro.
Os estudos e o trabalho árduo de Gustavo e sua sócia Janaína os levaram a construir a empresa Pegada Viva, com três estufas – e planos de construir mais três –lá mesmo na chácara. Eles cultivam cogumelos e produzem meia tonelada por mês de shimeji-branco, roubitaki e hirataki-salmão (foto). Além de fornecer o produto in natura para restaurantes do Recife, Camaragibe, Olinda, Jaboatão e Fernando de Noronha, eles também aproveitam o excedente produzindo chutney e confit de cogumelos, que têm uma aceitação tão grande que hoje já representam 15% do faturamento da empresa.
A Pegada Viva tem uma van com motorista que faz entrega três vezes por semana e já emprega cinco pessoas, todas moradoras das redondezas. “Faz parte desse sonho também ajudar as pessoas da comunidade, dar oportunidade a gente que tem potencial, mas muitas vezes se perde por aí, enfim, aproveitar a mão de obra local e gerar emprego e renda na nossa região”, explica Gustavo.
“Hoje faço mais do que produzir dinheiro. Levo uma vida alinhada com meus valores e meu sonho de qualidade de vida. E ainda tenho a oportunidade de almoçar todos os dias com minha família”, diz o empresário, que também oferece visitas guiadas às estufas e oficinas de culinária à base de cogumelos.
O filho caçula, Leo, que chegou na chácara com seus pássaros exóticos – roselas e calopsitas, entre outros –, um belo dia precisou aprender a mexer com ferramentas para construir os ninhos (ou cumbucos), que custavam uma fortuna. Depois que aprendeu a unir duas partes de madeira com pregos, começou a receber pedidos da família para que fizesse pequenos móveis. “A primeira peça de marcenaria que fiz foi a cama do meu filho. E ficou muito legal, modéstia à parte”, lembra.
Ali nasceu uma paixão. Depois de ter trabalhado vários anos em grandes agências de publicidade como desenvolvedor de aplicativos para celular, e de iniciar sua criação de aves, Leonardo sentiu que finalmente tinha encontrado sua “praia”.
Construiu uma pequena marcenaria na chácara, comprou diversas máquinas, fez um curso de 500 horas-aula no Senai e não conseguiu mais parar de pensar nas possibilidades de criação que tinha à sua frente. “A partir de então eu tinha certeza do que queria e comecei a experimentar”, diz. Seguindo a mesma filosofia do reaproveitamento e da sustentabilidade, Leo criou a DuGrillo Marcenaria Artesanal, e cria objetos de decoração e móveis com madeiras de podas ou de reflorestamento.
“Digo que sou um marceneiro artesão, porque não faço móveis planejados. Tenho um estilo mais natural, braçal e exclusivo”, resume. Cada peça – sobretudo luminárias, adegas, gamelas, tábuas para churrasco e mesas – tem um design exclusivo e é de uma criatividade surpreendente. Atualmente ele usa também ferro e resina para compor suas “artes”.
A esposa de Leo, Calina, que também faz parte da comunidade” com o filho deles, Bento, entende de contabilidade e administração financeira e completa o ciclo dos empreendimentos da família.
Ainda dentro da ideia de aproveitamento total, a família usa a água do açude, repleta de nutrientes dos peixes, para irrigar as plantações de cana, macaxeira, jerimum, quiabo, tomate, jiló etc., além das fruteiras: jaca, coco, banana, pitanga, cajá, abacate, jambo, caju… O substrato do cogumelo é usado para a compostagem, que é feita pelas galinhas, ao revolverem o solo do galinheiro. A compostagem produz o adubo que vai para a horta. A horta fornece ingredientes para as compotas de cogumelos.
E assim, numa troca de energia e trabalho, respeito à natureza e consciência ambiental, a família Grillo Teixeira vive, convive, trabalha e se diverte junta.
Pegada Viva (www.pegadaviva.com.br)
Du Grillo Marcenaria Artesanal (www.instagram.com/dugrillomarcenaria/)
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